O QUE SIGNIFICA «NOVO NORMAL» NUMA ESTRUTURA RESIDENCIAL PARA PESSOAS IDOSAS?

«Na casa nasci e hei-de morrer/ na casa sofri convivi amei/ na casa atravessei as estações/ respirei», diz o conhecido poeta Ruy Belo. E de repente as casas passaram, de forma mais ou menos romântica, a ser o um refúgio dos empregos, da poluição, da azáfama diária, um abrigo e um espaço de aconchego, de mergulho pela subjetividade, de reinvenção do «eu» num espaço doméstico e fechado. É nestas casas que delimitamos fronteiras seguras do «isolamento social». Mas, se é certo que a imposição do isolamento em casa permitiu-nos firmar a distância física em relação ao mundo exterior e a aproximação daqueles que amamos, que dizer daqueles e daquelas pessoas que vivem, regra geral, isolados do mundo exterior por viverem em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) sob o pretexto de “É o melhor para todos! Não tenho condições para o/a ter em minha casa! Sei que ele/ela fica bem!”? Nestas situações, a casa (i.e., ERPI) passa a ser um «mal necessário», uma prova brutal de resistência e resiliência e um constante confronto com o passado, uma superação com o presente e uma descrença com o futuro. Desta pandemia que ainda não terminou sobram alguns chavões, como por exemplo, vivemos um «novo normal». O argumento parece sólido à primeira vista, mas eu não concordo com ele, e vale a pena explicar porquê. A primeira tem a ver com o facto de um «novo normal» a propósito da pandemia provocada pelo Covid-19 traduzir em si mesmo uma falência do sistema. A segunda razão é mais profunda, e tem a ver com aquilo que me parece ser um falhanço do ser humano enquanto ser consciente e reflexivo e, por conseguinte, aprendiz. Conotar o somatório das experiências provocadas pelo novo corona vírus com a necessidade de vivermos um «novo normal» carimba o passaporte da falta de noção rumo ao abismo societário. Sempre me fez confusão tratar aquilo por que passámos, pelo menos nos momentos iniciais e mais críticos da pandemia, com a necessidade de vivemos um «novo normal». Essa ideia me parece ter na sua origem mais vestígios de ignorância do que de clarividência. Não me parece que necessitemos de viver «novos normais». No caso das ERPI, o «normal», aquilo que estava instituído, aquilo que era regra, o desinvestimento e desleixo custou-nos centenas de vidas de pessoas. E quem se preocupa com isso agora? Na verdade, parece-me que pouca gente! Daquilo que necessitamos são medidas concretas e alternativas de carácter mais profundo e reconfigurador acerca da forma como prestamos os cuidados às pessoas idosas, da forma como nos posicionamos enquanto cuidadores e cuidadoras e, por certo aquilo que mais décadas demorará a alterar e reconstruir, medidas e projetos capazes de reconcetualizar e debater o papel das pessoas idosas na sociedade. É urgente uma rutura com o «normal». É imperativo abandonarmos o «novo normal» porque representa a nossa incapacidade de aprender com os erros cometidos e não é saudável – a fim de nos focarmos no desenho de novas formas de atuação, mais humanizadas, mais empáticas e construtoras de uma sociedade mais justa. No fim, todos ganhamos com isso. Se vos falo de casa, falo-vos em Lar Nossa Senhora da Encarnação – SCMLeiria (LNSE). Mesmo com previsões estudadas, com avanços e recuos em medidas nunca antes testadas e com dúvidas permanentes, o LNSE firmou-se como uma casa segura, uma casa de gente dedicada a uma missão maior: garantir a manutenção dos seus pilares fundadores. Hoje o verbo cuidar daqueles e daquelas que são cuidados e de quem cuida ganha renovado enquadramento na forma como cuidamos. O Lar Nossa Senhora da Encarnação – SCMLeiria (LNSE) é intimidade, é fragilidade, é conhecimento, é casa de todos. No Lar Nossa Senhora da Encarnação – SCMLeiria (LNSE) não há lugar a «novos normais», existe antes espaço para pessoas com histórias dentro. DR. RICARDO CRISPIM, Técnico Superior Serviço Social