HUMANIZAR, CUIDAR E FOCAR NA PESSOA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Em Portugal têm sido visíveis profundas alterações sociodemográficas, em muito reflexo do aumento da longevidade da população e da taxa populacional da faixa etária mais avançada, juntamente com o gradual decréscimo da taxa de natalidade. Assim sendo, estamos perante um Portugal paulatinamente mais envelhecido.

Como tal, são necessárias respostas a estas pessoas mais velhas. Para efeito e, de forma a auxiliar os de mais idade e menos capazes de permanecerem no “seu lar” com alguma qualidade e companhia, a sociedade civil, a caridade, a cidadania, a solidariedade e o voluntariado têm vindo a criar respostas para as necessidades deste público. É aqui que entram uma série de respostas sociais, como é o caso dos Lares para pessoas idosas, agora designados de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI). Em parte, este tipo de resposta é ainda muito percecionada na ótica de “instituição total”, onde muitas das atividades são de caráter obrigatório (ou quase) meramente para atender aos objetivos das instituição, onde grande parte da vezes as pessoas que estão a beneficiar dos serviços neste tipo de instituições tenha sequer direito à sua opinião, a escolher o que quer fazer, como, quando e com quem. Contudo, os pressupostos do envelhecimento ativo e saudável vêm precisamente revolucionar o até então aplicado ao envelhecimento e velhice, exigindo novas formas de intervir e de encarar a pessoa idosa, entre os quais tem enorme importância (entre outros) a participação social das pessoas idosas.

Contudo, a participação não é (nem deve ser) “obrigar” ou “colocar” as pessoas a “fazer coisas”. É antes, perceber quais os gostos, interesses e desejos das pessoas e tentar (re)criar condições ou momentos para que as mesmas pessoas possam participar. Assim, é essencial uma postura de diálogo, face à necessidade que as pessoas sejam escutadas (e não meramente ouvidas). Neste sentido, o Lar Nossa Senhora da Encarnação (LNSE) da Santa Casa da Misericórdia de Leiria (SCMLeiria) criou a Comissão de Residentes, onde estes últimos decidem, de forma democrática, que tipo de atividades pretendem (ou não) desenvolver, bem como outros assuntos que verdadeiramente lhes possam dizer respeito.

Constantemente surge a ideia de que falar com o idoso é uma “perda de tempo” porque para eles “qualquer coisa basta”. Mas a verdade é que é importante dar tempo e espaço à pessoa, de forma a se sentir confortável, ouvida, percebida e integrada e, paulatinamente, numa dualidade entre profissional e residente encontrar a melhor estratégia, por forma a que a pessoa possa ser minimamente feliz e, por vezes, sentir que pode ser útil, que pode opinar, fazer o que “bem entender de si e da sua vida” e tratada como Pessoa e não como um “fardo”. Se nós temos os nossos tempos, gostos, interesses, vontades, por que razão também os idosos não o podem ter?! No fundo, não estamos também a falar de Pessoas?!

Neste sentido, existem instituições que encaram os idosos diferentes dos idosos de outros tempos. Outrora a velhice era conotada como muito homogénea e uma série de aspetos negativos, sobretudo associando-se a perdas. Hoje a velhice é vista como processo, sendo diferente em cada pessoa. Deste modo, envelhecer é diferente em cada ser humano e, como tal, em cada instituição é importante privilegiar uma forma de cuidar de pessoas diferentes umas das outras, de acordo com as suas individualidades. E, na verdade, é este o entendimento dos profissionais do LNSE que a cada dia procuram melhorar e servir melhor os seus residentes e toda a comunidade. Igualmente reúnem esforços (agora com esforços acrescidos) de maneira a sempre garantir o bem-estar, a saúde, a segurança e a vida das Pessoas envolvidas em todas as linhas e contextos.

Porém, uma vez mais, a atual pandemia da COVID-19, entre muitas mudanças sociológicas, realçou esta atenção especial face à população sénior. Os meios de comunicação social têm sido dominados pela representação das pessoas maiores de 65 anos como sendo “indefesos”, “frágeis”, e “incapazes de contribuir para a sociedade”. Todavia, o envelhecimento e a categorização das pessoas idosas podem ser superados, enfatizando a solidariedade entre as gerações e evidenciando que não só a idade é o fator crítico de risco que torna os indivíduos mais vulneráveis à COVID-19.

Mais do que nunca é imperativo (re)pensar as formas de intervenção e de encarar o envelhecimento. Precisamos de nos focarmos na pessoa idosa e percecionarmos a mesma como Pessoa e não como grupo de vulnerabilidade e de problemas diversos. Esta pandemia veio (com)provar que a vulnerabilidade não é exclusiva de faixa etária ou grupo específico, mas sim transversal a todo o Humano. Foi neste sentido que o LNSE, face à impossibilidade de familiares e/ou significativos lhe ser concedida permissão para entrada nas instalações, criou uma alternativa, nomeadamente através de recurso às tecnologias e plataformas digitais/comunicação.

Igualmente é essencial novas formas de (re)educar a comunidade, visto muitos dos aspetos associados à velhice serem construtos sociais. É importante que a velhice não seja meramente sinónimo de perdas (porque não é). É sinónimo de potencialidades, oportunidades, de conhecimento, muita experiência e histórias maravilhosas. Porque, no fundo, estamos a falar de pessoas que, na sua vida, (re)produziram, cuidaram e educaram outras. Tudo se resume a cuidar, a humanizar, a dignificar e focalizar nas Pessoas. E, na verdade, isto tem assumido constante preocupação no modo de operar e intervir no LNSE.

TIAGO CORREIA

Técnico Superior de Serviço Social (Estagiário), no Lar Nossa Senhora da Encarnação – SCMLeiria