Carlos Poço Provedor da Misericórdia de Leiria, assume a recandidatura e chama a atenção para a situação precária que enfrentam as instituições sociais


Está a concluir o seu primeiro mandato. O que considera mais marcante?
Foi um mandato agridoce. Conseguimos atingir os objectivos a que nos propusemos a nível financeiro, de pôr a instituição, nomeadamente o Hospital D. Manuel de Aguiar, a dar resultados positivos, e de assegurar a sua sustentabilidade. O sabor desagradável vem do facto de não termos podido avançar com os grandes projectos que tínhamos, que serão remetidos para o segundo mandato ao qual me irei recandidatar. Não houve, de todo, condições para fazermos mais.

Quando, há quatro anos, assumiu a liderança da Misericórdia, um dos objectivos a que se propôs era o de pôr a área da saúde a libertar verbas para o social. Isso já está a ser conseguido?
De facto, uma das nossas preocupações era que a área social não andasse a financiar a da saúde. Já estamos a conseguir que o sector da saúde liberte verbas para as valências sociais. Pensamos que, no próximo ano, isso será conseguido de forma mais acentuada. Estes resultados são reflexo da gestão que adoptámos, onde se inclui a redução de custos supérfluos e a promoção dos nossos serviços. Pro-curámos também novos clientes e novos acordos.

Estão previstas novas valências no hospital?
Estamos permanentemente a procurar novas especialidades, mas só na área das consultas. Não podemos, fisicamente, instalar mais valências. Temos um grande potencial de crescimento na área cirúrgica e no sector da imagiologia, cuja capacidade instalada está ainda subaproveitado. O objectivo é procurar mais mercado para essa área. Chegou a ser anunciada a possibilidade de um protocolo com uma entidade angolana. Não avançou. Como sabemos, Angola tem tido muitos ziguezagues e não houve condições para prosseguir com esse acordo de princípio.


Foi apresentado, na semana passada, o orçamento e plano de actividades da Misericórdia para o próximo ano. Quais são as principais apostas?

A grande prioridade é a melhoria das condições dos utentes da área social, com o início de uma grande obra: a requalificação do Lar de
Nossa Senhora da Encarnação. A intervenção contempla sobretudo melhoria das condições de conforto e da poupança e eficiência
energética. Será um investimento na ordem dos três milhões de euros, que pretendemos concretizar até meados de 2021. Para isso, apresentámos uma candidatura, já aprovada, ao Portugal 2020, e temos uma outra em preparação ao programa PARES. A empreitada poderá também implicar gastos adicionais, com a deslocação de utentes para outra instituição durante o período de obras.

Que financiamento já têm assegurado para as obras do lar?
Do Portugal 2020, temos garantidos 677 mil euros. O restante terá de ser financiado ou através do novo programa PARES ou com recurso à banca e capitais próprios. A dívida à banca, que há quatro anos, era um grande constrangimento, ficou perfeitamente controlada a partir do segundo ano do nosso exercício. Já conseguimos cumprir e ainda libertar meios para os capitais próprios.

Com a casa arrumada e com a situação financeira controlada, quais são agora as prioridades da instituição, que está a assinalar 475 anos?

O nosso foco são as pessoas e a prioridade passa, inevitavelmente, por dar-lhes melhores condições, a começar pela grande obra no lar. Vamos continuar a ter um foco muito dirigido ao serviço de apoio domiciliário, que queremos que seja diferenciador e de excelente qualidade, e a outros projectos destinados aos mais carenciados. Este ano, por exemplo, lançámos um programa de cirurgia às
cataratas. Com pena nossa, houve poucas candidaturas, mas continuamos disponíveis para dar esse apoio. O sector social tem-se, em muitas circunstâncias, substituído ao Estado. 


Esse papel é devidamente reconhecido?


Não estamos à espera que o Estado reconheça esse trabalho. Fazemos o que entendemos ser o melhor para as pessoas. Como cidadão, considero que o Estado não cumpre o seu papel. Digo mais: O Estado despreza muito a área social. E o País enfrenta enormes desafios
nesta área. A esperança média de vida está a aumentar e isso obriga a mais cuidados de saúde e a mais tempo de vivência em unidades para idosos. Não temos em Portugal equipamentos suficientes para responder a essa necessidade. Há um défice enorme. Isto devia ser uma grande preocupação do Estado. Todos nós desejamos chegar a velhos. Não queremos que seja já, mas no tempo próprio. É uma questão que toca a todos. Acho inconcebível que o Estado não se preocupe o suficiente.


Em que é que se traduz essa insuficiente falta de preocupação ?


As IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] estão, de modo geral, nos limites. Fazem milagres com as verbas disponíveis. Algumas já nem os limites conseguem atingir. O Estado devia dar mais verbas para que seja possível melhorar a qualidade dos serviços prestados e para criar condições ao investimento em novas unidades. O anunciado programa PARES, que deverá entrar em vigor em breve, é minúsculo. Não vai permitir resolver o problema do País nesta área. No nosso caso, temos 105 utentes no lar e 31 na Residência XXI.
E, à semelhança do que acontece com a generalidade das instituições, há lista de espera. Este é um problema que cresce todos os dias. Daqui a um ano vão ser precisas mais camas. É uma necessidade em crescendo, para a qual não há resposta. Além de haver mais pessoas a precisar destas unidade, há também utentes com necessidades diferentes. Esse é outro problema. A sociedade mudou e os novos utentes começam a revelar vontades diferentes. Precisamos de adequar as repostas aos novos velhos. A cada momento, as necessidades são diferentes e estas unidades têm de estar preparadas para as exigências dos novos e futuros utentes.


Essa é uma preocupação da Misericórdia de Leiria?


É, de facto, uma preocupação, não só ao nível das instalações, mas também em termos humanos. Os novos utentes são mais exigentes e já não é possível ter um programa comum a todos. Cada um quer uma coisa diferente a uma hora diferente. Procuramos adaptar-nos a essas novas necessidades. 


Referiu que há muitas IPSS a trabalhar no limite. O sector terá capacidade para acompanhar o aumento do salário mínimo nacional nos valores definidos pelo Governo (750 euros até 2023)?


O salário mínimo nacional continua a ser baixo. As instituições não se queixam do aumento, mas sim dos apoios e das contrapartidas que o Estado dá e que são manifestamente insuficientes. Em 2019, as IPSS, nomeadamente as misericórdias, foram enganadas pelo Governo, que prometeu uma compensação para acomodarem o aumento [do salário mínimo], pequeno para as pessoas, mas grande para as instituições que estão a trabalhar nos limites. A solução passa por aumentar o valor do apoio por utente, para que as instituições possam fazer face ao aumento dos custos, sendo que, em muitos casos, há também uma diminuição dos rendimentos.

Do discurso que fez na recente gala dos 475 anos da Misericórdia de Leiria sobressaiu o apelo que fez à sociedade civil para apadrinhar projectos da instituição. A sociedade civil não nos dá a atenção que podia dar. Provavelmente por não estarmos a chamar a atenção o suficiente. No passado, havia muito mais beneméritos e mais entidades e pessoas a fazer donativos para estas instituições. Isto deixou
de ser prática. Foi isso que quis sublinhar, chamando pessoas e empresas a apoiar esta actividade social.


Durante o próximo ano, iremos apresentar projectos concretos que podem contar com a participação da sociedade social.

Maria Anabela Silva
anabela.silva@jornaldeleiria.pt