Quais são os principais desafios que o setor da economia social enfrenta hoje?
O setor da economia social enfrenta, de forma global, uma série de desafios complexos e interligados. Em primeiro lugar, destacaria a sustentabilidade. O aumento significativo dos principais custos operacionais, nomeadamente com os salários e a alimentação sem esquecer os elevados custos com energia no passado recente, que nunca foram recuperados e que foram suportados pelas instituições sem qualquer contrapartida, coloca uma pressão enorme sobre as entidades da economia social. A inflação sobre o conjunto de bens e serviços que fazem parte do nosso cabaz de
necessidades continua a exercer uma forte pressão sobre os custos. Também temos de considerar o aumento da procura pelos serviços, especialmente devido ao envelhecimento da população, torna cada vez mais difícil manter a qualidade do serviço sem comprometer a sustentabilidade financeira das instituições. A dependência de financiamento público continua a ser um dos maiores desafios para as Misericórdias e IPSS’s. Embora o Estado pague uma subvenção aos utentes por parte dos seus custos, esse valor continua a não ser suficiente para cobrir todos os custos operacionais porque mantem fixo o preço que não suporta todos os custos que os utentes merecem, devem ter e têm na Misericórdia de Leiria.
A somar a estas questões, muitas Misericórdias e IPSS enfrentam uma dificuldade em diversificar as suas fontes de rendimento, uma vez que a angariação de fundos não é prática da Misericórdia e as doações deixaram de ser hábitos da sociedade de hoje. O setor privado está cada vez mais interessado em estabelecer parcerias com instituições do setor
social, através de projetos de responsabilidade social corporativa (RSC). As Misericórdias e IPSS’s podem aproveitar esta tendência para estreitar relações com empresas locais, nacionais e internacionais, oferecendo soluções que se alinhem com as necessidades sociais e de saúde das comunidades. Em troca, as empresas podem fornecer patrocínios, financiamentos específicos para projetos sociais ou até mesmo investimentos diretos.
Quais os principais desafios que a Misericórdia de Leiria enfrenta hoje?
A Misericórdia de Leiria enfrenta, como outras entidades da economia social, desafios relacionados com a sustentabilidade, com a pressão do aumento dos custos operacionais e com as exigências crescentes de uma população envelhecida. Temos a vantagem de contar com uma estrutura sólida, construída ao longo de quase cinco séculos, que
nos permite enfrentar esses desafios com um espírito de resiliência e inovação com uma marca muito respeitada e com tradição, A Misericórdia. Um dos maiores desafios que temos pela frente é a conclusão e a operação das obras de requalificação do Hospital D. Manuel de Aguiar. Este projeto, que inclui a criação das primeiras camas de cuidados paliativos e mais camas de cuidados continuados, é fundamental para a nossa missão, mas implica uma grande responsabilidade financeira.
Também estamos a trabalhar no desenvolvimento de outros projetos, como o Centro de Dia, a Loja Solidária e a expansão da Universidade Sénior. Outro desafio importante é a nossa capacidade de atrair e manter colaboradores. O setor da economia social, e em particular as nossas unidades de cuidados, enfrenta dificuldades em contratar profissionais qualificados, sobretudo no setor da saúde. A renovação da nossa equipa e a adaptação à evolução das exigências são constantes, mas são fundamentais para garantir que continuemos a prestar cuidados de qualidade à nossa comunidade.
Em relação à irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Leiria, é cada vez mais fácil ou difícil cativar a comunidade a participar e ajudar as Instituições de Solidariedade Social?
Este é um ponto crucial e, na nossa experiência, tem sido um pouco mais desafiador nos últimos anos. A comunidade continua a demonstrar grande apoio à Misericórdia, mas a forma de nos envolvermos com ela tem de evoluir. Os tempos estão a mudar e as formas tradicionais de angariação de fundos ou de participação na vida da instituição já não são tão eficazes como no passado. As novas gerações, por exemplo, têm uma forma diferente de se envolver, preferindo modelos de participação mais digitais e flexíveis. Por outro lado, a nossa própria estratégia também tem de se ajustar a essa nova realidade, não só para angariar recursos, mas também para garantir que o nosso trabalho está em sintonia com as necessidades reais da comunidade. A transparência, a inovação e a comunicação eficaz são essenciais para manter a confiança e o envolvimento da população. E, claro, o trabalho de proximidade continua a ser um pilar importante da nossa atuação, por isso, procuramos envolver cada vez mais as pessoas em ações concretas que mostrem o impacto direto do seu apoio.
Os órgãos sociais da Misericórdia de Leiria tiveram uma renovação em alguns dos seus quadros na lista apresentada para este seu último mandato como Provedor, porquê?
A renovação dos órgãos sociais da Misericórdia de Leiria foi uma decisão estratégica, essencial para garantir a continuidade do trabalho de inovação e transformação que estamos a realizar na instituição. Ao longo dos últimos anos, temos vindo a enfrentar uma série de desafios que exigem novas abordagens e perspetivas. Por isso, decidimos incorporar novas vozes e competências nos nossos órgãos sociais, com o objetivo de enriquecer a nossa visão e de melhorar a nossa capacidade de adaptação à realidade social e económica atual.
A mudança também se justifica pela necessidade de fortalecer a nossa capacidade de tomar decisões rápidas e eficazes. A dinâmica do setor social, a necessidade de inovar e a complexidade dos projetos exigem uma gestão mais ágil e adaptada aos novos tempos. A nossa missão continua a ser a mesma, mas os contextos e as exigências mudaram, por isso a renovação dos quadros é uma oportunidade para dar um novo impulso à nossa atuação e envolver mais irmãos nesta causa.
As obras de requalificação do Lar Nossa Senhora da Encarnação vão ser executadas neste último mandato?
Sim, a requalificação do Lar Nossa Senhora da Encarnação está prevista e desejo que seja possivel para este mandato e será um dos projetos prioritários. O Lar tem uma enorme importância para a nossa comunidade, especialmente para
a população sénior, e sentimos a necessidade de melhorar as suas condições para garantir um ambiente mais confortável e adequado às necessidades atuais.
Em 2022, com a candidatura que fizemos ao programa PARES 3.O, que foi indevidamente rejeitada, gerou uma grande frustração. No entanto, não desistimos, e neste momento, aguardamos com expectativa a abertura de novas candidaturas, tanto no âmbito do PARES quanto do PRR. A candidatura anterior, embora tenha sido indevidamente rejeitada, serviu para amadurecer o nosso projeto, permitindo-nos fazer ajustes que o tornam ainda mais sólido.
Acreditamos que, com as devidas correções e a experiência adquirida ao longo deste processo, temos agora todas as condições para submeter uma nova candidatura, capaz de responder adequadamente às exigências dos novos quadros comunitários de apoio. Esta persistência reflete a nossa crença de que é essencial continuar a investir na melhoria das condições de cuidados nas nossas infraestruturas. O Lar Nossa Senhora da Encarnação precisa de uma requalificação urgente para proporcionar condições de vida adequadas aos nossos residentes, que são naturalmente cada vez mais exigentes devido ao envelhecimento da população e às mudanças nas necessidades de cuidados. Com o projeto mais maduro, estamos confiantes de que, quando as novas oportunidades de candidatura abrirem, conseguiremos garantir o financiamento necessário para avançar com a obra.
A parceria que foi estabelecida com a Global Health Company e com o Grupo Hestia Alliance é inovadora no setor da economia social e no setor dos cuidados continuados e paliativos. Considera importante a replicação deste tipo de parcerias no setor?
Sim, acredito que a parceria com a Global Health Company (GHC) e com o Grupo Hestia Alliance é um marco importante e muito positivo para a Misericórdia de Leiria. Não só pelo valor estratégico que traz, mas também pela forma como nos
permite melhorar e expandir a oferta de cuidados continuados e paliativos, que são áreas de crescente importância, dada a demografia da nossa população.
Esta colaboração é um exemplo claro de como as parcerias público-privadas podem ser benéficas no setor da economia social. Elas não só permitem otimizar os recursos disponíveis, como também proporcionam o acesso a conhecimentos e tecnologias que, de outra forma, seriam difíceis de obter. O envolvimento da Misericórdia de Leiria em projetos como o Hospital D. Manuel de Aguiar e a futura Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos no Hospital São Francisco coloca-nos na vanguarda da prestação de cuidados de saúde na nossa região, ao mesmo tempo que garante sustentabilidade financeira para a nossa Instituição.
Este modelo de parceria pode, e deve, ser replicado noutras áreas, sempre que isso beneficiar a missão das Misericórdias e das IPSS’s nos cuidados de qualidade à população, especialmente aos mais vulneráveis. Acredito que as parcerias no setor da economia social são uma excelente forma de inovar e de assegurar a continuidade e a qualidade dos serviços prestados. E, por último, gostava de saber um pouco mais sobre o Projeto Bata Branca. Como é que ele contribui para a Misericórdia de Leiria e para a população de Leiria em geral?
O Projeto Bata Branca, que foi lançado no início de 2024, permite disponibilizar cuidados de saúde primários à população de Leiria, nas freguesias onde não há médicos de família do SNS. Este é um projeto de grande importância para garantir que todos os cidadãos tenham acesso aos cuidados básicos de saúde, independentemente da sua condição social ou geográfica. A parceria com ULS de Leiria o Município de Leiria, tornam este projeto viável e de grande impacto. Neste momento proporcionamos 370 horas semanais de consultas, distribuídas por uma bolsa de 22 médicos, conseguimos dar resposta à falta de cobertura médica em diversas áreas do concelho, o que é uma grande conquista.
O projeto não só contribui para a melhoria da saúde da população, mas também reforça a nossa missão de promoção do bem-estar social e de combate à exclusão. Em 2025, este projeto continuará a expandir-se, e esperamos que tenha
um impacto ainda maior, ajudando a garantir que ninguém fique sem cuidados médicos essenciais.
Mas temos de ter consciência que deverá ser um projeto a prazo até o SNS tenha meios para dar resposta cabal a todos os cidadãos.